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Prevenção ao suicídio: olhares psicanalíticos

Atualizado: 30 de out. de 2023


"Rough Sea at Etretat" de Claude Monet (1883)

Meu nome é Rafael Santos Barboza, sou psicólogo (CRP 06/142198) e psicanalista, atuando com atendimentos de forma remota/online. Nesse texto, reforço a ideia de que o suicídio é um problema multidimensional, que pode ser causado por uma variedade de fatores, incluindo questões psicológicas, sociais e culturais.

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Inicialmente, caso você tenha chegado até esse texto em razão de pensamentos relacionados ao suicídio, saiba que não está sozinho e que existem pessoas com desejo de te escutar melhor e de te ajudar. Uma possibilidade, neste momento, é entrar em contato com o CVV, através deste link.

Texto: O silêncio costuma ter um efeito deletério, principalmente pela crença de que falar sobre um tema é provocá-lo. A dissimulação costuma criar um clima de mal-estar sobre determinado assunto, não o apagamento de um problema. Da mesma maneira, é preciso lembrar que o suicídio é um assunto multidimensional.

George Minois escreve em História do Suicídio: "Por que, em uma determinada época, alguns homens escolheram não mais ser? Cada um tinha suas razões, e é importante compreendê-las, pois essa atitude revela os valores fundamentais da sociedade. Ela afeta ao mesmo tempo o indivíduo e o grupo”. Para que haja algo que poderíamos chamar de prevenção ao suicídio, acredito que é preciso que a ideia de saúde mental seja ampliada.

Afinal, fatores relacionados aos índices também estão presentes nas relações de trabalho (com precarizações de contrato e estímulo nocivo à produtividade), nas relações da sociedade com as minorias (com a intolerância e marginalização estrutural), nas relações com jovens (com a escassez de acesso de políticas públicas e cultura, o esporte e ao lazer), na saúde pública (com o sucateamento de vias de acesso gratuito à população para o seu próprio cuidado), entre muitos outros espaços. Subjetividade, portanto, não deve ser um tema cuidado apenas por quem atua diretamente como profissional na saúde.

Pensar algo tão complexo e delicado como “prevenção ao suicídio”, portanto, passa não só por refletir sobre o funcionamento do sujeito, mas o funcionamento da organização social. Isso não significa dessubjetivar, mas justamente reforçar que os próprios processos de subjetivação se dão em laços e relações, incluindo laços com a cidade, as instituições, os recursos simbólicos e culturais ao redor. E, na mesma medida, o suicídio também é uma questão singular. Trata-se, portanto, de uma questão que é, ao mesmo tempo, social, existencial e clínica. Além disso, a facilitação do acesso às armas, bem como o descontrole em relação a determinados grupos de medicamentos, são questões que também devem ser diretamente discutidas.

Estacionar no aspecto do cuidado individual é o mesmo que reproduzir as circunstâncias com potenciais para causar sofrimento mental em ampla escala. Além disso, é preciso sempre lembrar que "o suicídio não é um, são vários, e heterogêneos" (Gilson Ianini), de forma que falar sobre o tema é nos colocarmos diante de uma situação de complexidade, em que simplificações também nos distanciam da questão.

Os números atuais relacionados ao suicídio são sempre alarmantes: 800 mil pessoas que morrem em razão de suicídio por ano no mundo, a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos de idade. É importante ainda apontar que não existe uma fórmula secreta que irá acabar com a questão. O jornalista Andrew Solomon lembra que "não existem soluções perfeitas; não está a caminho nenhuma vacina contra o suicídio".

É necessário ainda manter a complexidade sobre o assunto e lembrar que "vários são os caminhos e tantas são as formas pelas quais alguém coloca fim na própria vida, de maneira sempre tão única" (Christian Dunker). Diversas perspectivas podem ser utilizadas apenas para olhar a questão: aspectos sobre pacto e laços sociais, ausência (ou excesso) de sentido, conflitos com reconhecimento de ideais, entre muitos outros, como as discussões sobre o suicídio medicamente assistido. Dificilmente existirá um raciocínio que englobe todos os fatores sobre o suicídio, de modo que o assunto irá se esgotar. Falar sobre suicídio é ainda respeitar o desconhecido.

A característica radical e definitiva do suicídio o transforma em uma questão igualmente radical. Outro ponto é a importância de romper com o estigma de que o suicídio é um ato de egoísmo, o qual desconsidera a complexidade do tema e o moraliza. A compreensão de que o suicídio é uma fraqueza de caráter, além de não ter fundamentação, aumenta o sofrimento daqueles que estão passando por esse tipo de ideação, provocando ainda mais silenciamento sobre o tema, o que repercute em uma menor busca de ajuda profissional quando a mesma é fundamental.

Ato e dor

É importante falar sobre suicídio, mas pode ser ainda mais importante tentar escutar o que esse tema está tentando nos dizer. Na experiência clínica em relação ao suicídio, trata-se, grande parte das vezes, de uma tentativa de "dar voz ao sujeito que sofre, para que ele possa dar um nome ao seu sofrimento" (Gilsion Ianini).

No âmbito clínico, portanto, um dos desafios da experiência clínica é tentar substituir o gozo da morte pelo desejo de saber: sobre si, sobre o inconsciente (Geísa Freitas). Andrew Solomon, em sua pesquisa jornalística e autobiográfica, relata que: "Muitos depressivos nunca se tornam suicidas. Muitos suicídios são cometidos por pessoas que não são depressivas. Os dois elementos não são partes de uma única equação lúcida, uma ocasionando a outra. São entidades separadas que com frequência coexistem, influenciando-se mutuamente". Suicídio e depressão, desse modo, não são sinônimos, apesar de logicamente poder haver uma forte relação em diversos casos. Alguns impasses e desgastes mentais são tão intensos que parecem exigir algum tipo de reação a nível físico: compulsões, automutilações, desempenho maníaco. Além da pulsão de morte, o conceito psicanalítico de “passagem ao ato” traz contribuições importantes para a discussão do tema.

"Passagem ao ato", em psicanálise, costuma estar associado a ações tomadas a partir de uma espécie de descarregar. Diferencia-se do "acting out", esse último mais relacionado a à transposição da vida do inconsciente para a forma de ato - uma atuação que se dá no lugar da recordação, segundo Freud. A "passagem ao ato" designa, portanto, uma oposição à elaboração via pensamento. É uma negativa às possibilidades do caminho da palavra. Enquanto o acting out está no campo do teatro, na passagem ao ato esse teatro está em chamas (J.D. Nasio). Assim, "a passagem ao ato ocorre quando o sujeito se encontra no máximo de dificuldade em relação à sua emoção" (Quinet), escolhendo uma saída da cena.

Carolian Ribeiro e Andréa Guerra mencionam a importância do "cuidado com a palavra do adolescente por meio da escuta", o que vale também para outras faixas etárias, de modo que algumas modalidades de tentativas e suicídios relacionam-se com uma "ruptura com os equívocos da palavra". Para Mônica Macedo e Blanca Werlang, "escutar o ato-dor é escutar o irrepresentável, ou seja, é a escuta do que escapa ao complexo representacional do sujeito". Oferecer uma escuta, portanto, não só às palavras ditas e às palavras proibidas, mas também àquelas palavras que não não nasceram - uma escuta, portanto, construtiva e inventiva.

Marcelo Veras se pergunta: "Quem matamos quando matamos a nós mesmos?". Dessa maneira, aponta para a possibilidade de uma divisão interna que promove o auto-ataque. No contexto analítico, pode ser comum que o sujeito fale de si mais como se fosse um objeto e não como um sujeito, que fica então mais vulnerável a “agir a dor” (Marisa Maia). É comum ainda haver o discurso de que o futuro é um tempo já colapsado, sem esperanças ou motivações. Ou seja, um futuro sem um bem-dizer.

Existem linhas de pesquisa articulando psicanálise, escrita criativa e suicídio, pensando, por exemplo, os resíduos deixados pelo processo sublimatório. Tais observações são importantes para se pensar sobre algumas ideações suicidas como uma tentação em despedir-se da linguagem, em romper o laço com a palavra.

Falar sobre a dor, um convite endereçado ao paciente, parece muito simples, mas na verdade esconde processos psíquicos muito complexos e possibilidades de transformações, uma vez que esse tal “falar de si” não é apenas cobrir uma experiência com muitas palavras, mas de costurar sentidos, o que implica a possibilidade de dar novas vias à experiência emocional.

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