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Nomofobia: O vício do celular como prótese do psiquismo

Atualizado: 30 de out. de 2023


Nomofobia: ansiedade em ficar sem o celular

Meu nome é Rafael Santos Barboza, sou psicólogo (CRP 06/142198) e psicanalista, atuando com atendimentos de forma remota/online. Nesse texto, apresento a ideia do uso do celular como prótese psíquica e a definição de nomofobia vem sendo definida como o medo de ficar longe do celular.

Texto: Como buracos negros, a tela negra dos celulares constantemente absorve, convida para o toque. Do ponto de vista psíquico, podemos pensar, em certa medida, nos celulares como portais de conexão. Entretanto, não é um portal controlado, que sabemos onde vamos parar. No uso do celular, dificilmente conseguimos, de forma direta, ir direto ao ponto. No meio disso, somos invadidos por uma miríade de notificações, mensagens, notícias, imagens. A nomofobia vem sendo definida como o medo de ficar longe ou sem acesso ao celular.


Assim como os cassinos de Las Vegas, a "Incerteza" é um motivador muito importante para o vício em manipular constantemente os celulares, principalmente no que diz respeito ao acesso e ao "check" constante e compulsivo das redes sociais. Essa comparação entre redes sociais e jogos de cassino não é recente, já sendo apontada por pesquisadores da área. A ideia é de que as redes sociais estruturam circuitos repetitivos de necessidades e recompensas, da mesma forma como a antecipação de uma gratificação de uma máquina de cassino.


Recentemente, no Brasil, o professor Eugênio Bucci abordou a ideia de "incerteza" como uma bússola fundamental para entender o mundo recoberto pelo digital em que vivemos. Em entrevista, ele afirma que "quando comecei a me perguntar sobre quem pensava a incerteza, encontrei a ligação entre o pensamento da incerteza e a origem das tecnologias digitais, passando pela cibernética".


A soberania do mundo digitalizado também é desenvolvida na letra de "Anjos Tronchos" de Caetano Veloso, uma música lançada em 2021:


"Agora a minha história é um denso algoritmo

Que vende venda a vendedores reais

Neurônios meus ganharam novo outro ritmo

E mais e mais e mais e mais e mais"


Como uma ferramenta de descarga energética e, inclusive, neuroquímica, não à toa a queixa de que o sujeito sente-se dominado pelo celular, e não sob domínio desse instrumento, é tão frequente e cada vez mais recorrente. O nível de informação que as informações contidas em um simples toque no celular emite é tão grande que, muitas vezes, entorpece a mente e cala pensamentos. Com frequência, as pessoas que sofrem com esse compulsivo do celular se queixam de que, sem perceberem, perderam uma grande parte do seu dia apenas realizando um movimento simples com o dedo de arrastar para baixo e para cima.


A expressão "tela infinita do celular", de certo modo, é enganadora, pois traz uma certa atmosfera de liberdade e de livre arbítrio. O que se sabe, entretanto, é que o sistema algorítmico das redes sociais nada tem de anárquico. Trata-se de uma arquitetura construída para capturar a atenção, a partir da investigação de gostos, desejos, tendências. Em certa medida, e isso vale para trabalhos analíticos diversos, a análise busca criar um espaço: um espaço para que o sujeito apareça com seus desejos, dilemas, conflitos, necessidades. Pedaços da vida que o sujeito sequer se dá conta. Nesse contexto, aposta-se em uma função transformativa da escuta e da construção de novos modos de sonhar, a partir de uma relação única: a relação analítica.


A própria arquitetura dos aplicativos mais usados no celular dificulta lidar com o vício. Por exemplo, o Whatsapp não tem um botão de desligar e impedir que mensagens cheguem. Para alguém que está de férias, tentando afastar-se um pouco das demandas do trabalho ou mesmo de outros campos da vida, isso pode tornar-se um problema grande.


Além da administração de produtividade, o celular, muitas vezes, também é usado como um recurso anti-tédio. E podemos pensar o tédio, em psicanálise, como um encontro com o vazio, que tanto pode ser angustiante como criativo (muitas vezes, ambos na mesma medida). O celular, como vimos, tem um efeito quase hipnótico no psiquismo, que, como devemos lembrar, implica, em certo grau, uma submissão e suscetibilidade ao controle. O paradoxo, entretanto, é que na mesma medida que os smartphones promovem esse amortecimento, em um segundo tempo, há uma certa ressaca, quase como se o sujeito tivesse saído dessa hipnose eletrônica.


A psicanalista Julieta Jerusalinsky exercem a função de uma espécie de “chupeta eletrônica”. Isso vale tanto para as crianças como para os adultos. Nesse ponto, perguntas devem ser feitas: Do que se abre mão com o uso compulsivo dos celulares? De que busca ou necessidade estamos lidando com aquele sujeito que diz que o uso do celular é dominante em sua vida? Ao mesmo tempo, é preciso considerar que trata-se ainda de um fenômeno cultural e lembrar que o sujeito está inserido em um período histórico particular. Jerusalinsky lembra, por exemplo, que "essa exigência de estar sempre atualizado e online torna-se um excesso que suprime o lugar e o tempo para a elaboração subjetiva".


E uma pergunta fica no ar: de que maneira a psicanálise poderia auxiliar pessoas que sofrem com o vício pelo celular? Não se trata de uma resposta simples, mas poderíamos começar apontando que a psicanálise lida com o sujeito como um todo e não com sintomas recortados. Ou seja, a análise trata-se de escutar o sujeito em sua singularidade, enquanto história de vida e não enquanto páginas soltas. Partindo daí, compreendo que o vício em celular não é muito diferente de uma clínica da toxicomania. Apesar do objeto-viciante celular não ser uma substância química, isso não significa que ele não produza efeitos corpóreos e fisiológicos. E, da mesma medida, é preciso reforçar que não é possível pensar no vício apenas como do ponto de vista químico. Desse modo, é importante investigar, de maneira conjunta, como o sujeito, em sua totalidade, acaba sendo capturado por esse uso compulsivo e pelas "ofertas" que o celular promete e/ou sustenta.

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