Meu nome é Rafael Santos Barboza, atuo como psicólogo (CRP 06/142198) e psicanalista, realizando atendimentos de forma remota/online. Nesse texto, abordo o conto "Insônia" de Graciliano Ramos como uma representação dessa experiência.
Uma das melhores representações do que é a experiência de insônia está no conto "Insônia" de Graciliano Ramos. O personagem do livro se debate dentro dos seus próprios pensamentos: "Encostar de novo a cabeça ao travesseiro e continuar a dormir, dormir sempre. Mas o desgraçado corpo está erguido e não tolera a posição horizontal". No meio dessa guerra, dois marcadores aparecem com frequência no texto. O primeiro é a pergunta "Sim ou não?", frase repetida diversas vezes, sinalizando para uma espécie de indagação frente a dilemas: "Sim ou não? Quem me está fazendo na sombra essa horrível pergunta?". O outro marcador é o ponteiro do relógio: "Um, dois, um dois. Certamente são as pancadas de um pêndulo inexistente".
A insônia é uma questão multifatorial, que no geral implica na investigação de diversas áreas e que, muitas vezes, necessita considerar a integração corpo-mente. Para o psicanalista Mário Eduardo Costa Pereira, estudioso do que chama de a erótica do sono, "poucos sintomas interpelam tão radicalmente o sujeito em relação à verdade de seus desejos e de suas paixões quanto a insônia".
Freud comparava o adormecimento a uma espécie de revivência da vida intra-útero, por considerar que no sono retiramos quase completamente o interesse pelo mundo externo, além de levar em conta a posição fetal que os seres humanos costumam manter quando pretendem ser embalados por Hipnos, segundo a mitologia grega, deus do Sono, e irmão de Tânatos, que na psicanálise ficou relacionado ao conceito de pulsão de morte.
Dormir, portanto, implica em, ao menos por um período, ser capaz de abandonar parcialmente o mundo para habitar o mais íntimo. Implica ainda em baixar a guarda no que diz respeito aos mecanismos de defesa da vida em vigília: excesso de controle, racionalização, sublimações, entre outros. Ou seja, implica em deixar a libido derramar-se no corpo, regredindo a uma posição mais arcaica.
As alterações do sono estão relacionadas a uma série de manifestações do campo da psicopatologia. A qualidade do sono, portanto, é um importante aspecto a ser considerado nessa dimensão. Em alguns casos, a insônia é considerada um importante sintoma prodrômico, ou seja, um sinal que precede o surgimento de um processo maior de ruptura com o equilíbrio.
Em certo momento do conto, o personagem se pergunta: "Como é possível uma voz apertar o pescoço de alguém?". Dormir, portanto, implica ainda certa parceria conciliação corpo-mente, um voltar-se à "pequena morte" momentânea, que convoca as errâncias do fantasiar e do sonhar.
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