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Fobias: fantasmas e montagens psíquicas

Atualizado: 30 de out. de 2023


"Svanen" de Hilma af Klint (1914)
Meu nome é Rafael Santos Barboza, sou psicólogo (CRP 06/142198) e psicanalista, atuando com atendimentos de forma remota/online. Nesse texto, discuto a ideia de que a angústia é projetada para um objeto ou situação externa, que passa a ser considerado como perigoso.

Texto: Há tantas fobias possíveis quanto formas de se experienciar o mundo. Em matérias da internet, o acréscimo do sufixo no final da palavra costuma dar uma conotação de absurdo ao conteúdo: homiclofobia (medo de neblina), cronofobia (medo da passagem do tempo) e até a pantofobia (medo de ter medo). Entre as mais conhecidas, estão a fobia social (medo de situações que envolvem interações e sociais), claustrofobia (medo relacionado a espaços fechados e restritos), agorafobia (medo de espaços abertos ou com restrições de fuga).

Na psicanálise, trata-se de um conceito que passou por diversas transformações teóricas e mesmo a partir do autor e do contexto, pode ser utilizada para expressar concepções diversas. É importante ainda tentar fazer alguma separação entre medo e fobia, pois algumas situações, naturalmente, irão causar mais medo, como estar em um lugar muito alto ou estar em um lugar desconhecido sozinho. Entretanto, a fobia geralmente caracteriza algo do nível do "irracional", uma forma de medo que parece se afastar da lógica e que chega a ser incapacitante e restritivo. É preciso destacar ainda que a fobia não é uma exclusividade neurótica, podendo estar presente em estruturas psicóticas.

Podemos então hipotetizar uma das diferenças entre medo e angústia: o medo parece estar mais próximo dos eventos externos, à configuração externa do mundo, enquanto que a fobia possui maior proximidade com a vida de fantasia do sujeito. Com essa demarcação, podemos vislumbrar que a fobia, então, não precisa seguir uma lógica consciente. Além disso, é preciso fazer uma separação entre a fobia e os medos pós-traumáticos.

A fobia, portanto, na forma como estamos compreendendo aqui, tem mais relação com as fantasias do sujeito do que com a aferição dos dados mais concretos do ambiente. Essa separação, entretanto, é apenas conceitual e teórica, pois não há forma de apreender a realidade sem o filtro da fantasia e das representações. Além disso, com seu papel estruturante, podem ser comuns em crianças, indicando não necessariamente uma patologia, mas muitas vezes um processo de montagem psíquica.

Fobia, medo e angústia

Aline Gurfinkel aponta que não é possível falar de fobias no singular. Antes de 1909, seria encarada por Freud como um sintoma. Com o “caso do pequeno Hans”, Freud fala em “histeria de angústia”, aproximando a fobia de um tipo de entidade clínica específica. As mudanças teóricas sobre a teoria da angústia em Freud também vão impactar a compreensão da fobia. Já Lacan fala da fobia não como uma “entidade clínica isolável”, mas como uma “figura clínica”.

No geral, ao se aproximar de uma situação ou de um objeto fóbico, o sujeite sente-se ameaçado a nível da sua integridade psíquica, similar ainda a uma espécie de curto-circuito na ligação entre as instâncias internas que sustentam essa estrutura (Zanetti e Peres). Além disso, o sujeito, por mais que reconheça que a sua reação parece inapropriada, “sente-se obrigada a comportar-se assim, porque, do contrário, seria exposta a uma angústia incontrolável” (Hector Ferrari).

A fobia possui uma relação próxima com o medo e com a angústia. Aline Gurfinkel entende a fobia como “"sendo uma tentativa de barrar a angústia e usando de deslocamento e objetos substitutivos, foram se classificando nosograficamente, de acordo com o objeto fóbico escolhido. Então, temos: agorafobia, claustrofobia, acrofobia, hidrofobia, fobia de animais, fobia social, etc."

Enquanto o obsessivo é atormentado por pensamentos, o fóbico tenta fugir de determinados objetos e situações que lhes provocam grande angústia, sem que haja uma razão lógica para tal ou havendo uma desproporcionalidade. O que define uma fobia, dessa forma, não é o objeto em si, mas o tipo de relação que o sujeito produz com esse objeto.

A aproximação ou a interação do objeto fóbico (que pode ser uma situação) costuma ser vivida pelo sujeito de forma similar a uma crise de angústia (crise de pânico). Ao mesmo tempo, a fobia é também uma proteção contra a angústia ou, mais especificamente, uma tentativa de solucionar o problema de uma angústia: "A defesa fóbica contra a angústia cria um mundo externo à imagem do ameaçador mundo interno." (Hector Ferrari).

Lacan diz que na fobia é como se o sujeito produzisse um"tigre de papel". No Seminário XVI, Lacan sinaliza ainda que a função da fobia é de "substituir o objeto da angústia por um significante que causa medo, porque, frente ao enigma da angústia, a relação de perigo assinalada é tranquilizadora".

Angústias inconscientes e medos conscientes

Desse modo, por mais incapacitante e restritiva, a fobia defende o sujeito "do objeto que falta, da ausência do Outro e da solidão irremediável da separação inaugural da neurose" (Dominique Fingermann). O que é uma angústia inconsciente, então, torna-se medo consciente, concentrado em uma situação ou objeto, através do mecanismo de projeção (J.D. Nasio). Podemos dizer que a fobia é como uma roupa que cobre a nudez da angústia.

Configura-se, assim, como uma instalação defensiva, uma produção de sintoma que, com muito esforço e sempre sob a ameaça do fracasso, visa manter as coisas no lugar.: "[...] a fobia manifesta ao mesmo tempo uma realização e um fracasso” (Alain Vanier). O autor complementa que “a fobia mostra como o medo trata a angústia. Os pacientes fóbicos apresentam novos surtos de angústia quando a fobia desaparece; na neurose obsessiva, quando o sujeito é impedido de entregar-se aos seus rituais”.

As defesas, de um modo geral, e em diversas estruturas, podem parecer como um castelo fortificado, mas se assemelha mais a um um jogo de varetas, em que a estabilidade está sempre considerando uma ameaça ao redor. Oferecer um trabalho de escuta ao que o sujeito se sente tão ameaçado é um dos processos mais sensíveis da experiência clínica.

Além da projeção, com o deslocamento o objeto fóbico se mantém afastado "das representações originais, isto é, dos fantasmas que originam a angústia; eles funcionam segundo as leis da contiguidade, por semelhanças ou homofonias e podem contaminar um grande número de situações" (Ana Maria Rosenberg).

Personalidade fóbica

É importante falar ainda no que se chama de "personalidade fóbica", estudada no Brasil por Walter Trinca. A hipótese baseia-se principalmente na premissa de uma angústia de dissipação vivida pelo sujeito. Essa teoria dá ênfase ao componente de uma precariedade ou fragilidade no nível da sustentação do ser, ou seja, um sujeito que se sente muito pequeno diante de um mundo que é vivido como aterrorizante.


Na personalidade fóbica, portanto, o próprio mundo ou tudo que é não-eu, se torna ameaçador, remetendo a uma precariedade no sistema de confiança básica. Em grande parte, com esse tipo de paciente, o trabalho analítico se dá não na interpretação, mas no estabelecimento de um clima de confiabilidade e na construção de um "continente de experiências".

As falhas na "confiança básica" remetem a uma vivência do sujeito que experiencia o mundo como se estivesse suspenso em um buraco negro, como um penduricalho. Não há chão (psíquico) para sustentar a queda e, assim, tudo se torna ameaçador, incluindo, muitas vezes, o próprio analista. 

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