top of page

Ansiedade e suspensão do saber (Parte 2)

Atualizado: 30 de out. de 2023


Edvard Munch - Ansiedade (1894)
Meu nome é Rafael Santos Barboza, sou psicólogo (CRP 06/142198) e psicanalista, atuando com atendimentos de forma remota/online. Nesse texto, é apresentada a ideia de que a incerteza é uma das características centrais da ansiedade: a pessoa vive em um estado de expectativa, sem saber o que vai acontecer.

Texto: Na primeira parte dos textos sobre o tema Ansiedade, abordamos a diminuição do uso do termo “stress”, bem como o maior uso da expressão ansiedade e as diferenças entre esses conceitos. Na segunda parte, traremos um foco maior na experiência ansiosa em si, sua relação com a sensação de ameaça e a qualidade de tal vivência.


Em "Inibições, sintomas e ansiedade" de 1926, Freud já havia apontado a relação direta da ansiedade com a expectativa, mais especificamente com a expectativa de um perigo. De modo bem resumido, podemos dizer que a ansiedade é uma resposta à expectativa de uma situação de intensidade emocional. Nesse ponto, é importante lembrar que também ficamos ansiosos por situações que consideramos positivas e muito desejadas, mas a ansiedade que focaremos aqui é aquela diante de uma iminência de perigo.


A ansiedade é um componente natural e importante para a relação do sujeito com o mundo. Quando se fala da ansiedade como um problema estamos falando de uma sensação de constante ameaça e preocupação, uma espécie de marca contínua na vida da pessoa. Há também a ansiedade que irrompe em situações diversas e muitas vezes imprevistas, comumente chamadas de “crises de pânico”. Como uma sensação que se retroalimenta, o sujeito pode ficar “ansioso a própria ansiedade”, podendo evitar situações em público.


Uma das funções mentais mais ativadas dessa vivência é a atenção. O ansioso, por exemplo, pode ter dificuldades para adormecer, uma vez que “cair no sono” implica em um parcial desligamento do mundo externo. A atenção ansiosa, por outro lado, é uma atenção um tanto difusa. Aqui serve como um bom exemplo muitas cenas utilizadas em filmes de suspense e terror. Não se sabe de onde vem o ataque, mas pela trilha sonora, há a percepção de que algo de muito ruim irá ocorrer. O ansioso pode viver como se estivesse preso nessa cena: não a cena terrorífica, mas justamente aquela que a antecede.


O corpo assume um lugar central nessa experiência, através de palpitações, aceleração dos batimentos cardíacos, náusea, dificuldades para respirar, salivação ou boca seca, sudorese, entre outras manifestações. Faz parte do processo de psicoterapia/análise conseguir dar um contorno melhor ao que deixa o sujeito ansioso.


Incerteza e perigo


A incerteza é uma espécie de “maestra” da ansiedade, conduzindo a dinâmica dessa sensação: incerteza quanto ao que vai acontecer, a como irá reagir e lidar com a situação, a como isso irá afetar o restante da sua vida, a como os outros lidarão com o acontecimento. O aspecto qualitativo da ansiedade também é muito importante, podendo haver desde ansiedade depressiva (ligada à culpa, perda do amor, abandono) à ansiedade psicótica (desintegração do eu, despersonalização, desmarginalização).


A ansiedade, enquanto crise, comumente implica em algo da ordem do impensável, inominável. Uma experiência de exceder o limite do tolerável. Esse trecho da obra de Donald Winnicott nos ajuda a pensar sobre esse aspecto: "O sentimento de que a mãe existe dura x minutos. Se a mãe ficar distante mais do que x minutos, então a imago se esmaece e, juntamente com ela, cessa a capacidade do bebê utilizar o símbolo da união. O bebê fica aflito, mas essa aflição é logo corrigida, pois a mãe retorna em x y minutos. Em x y minutos, o bebê não se alterou. Em x y z minutos, o bebê ficou traumatizado". Para o autor, exceder o tolerável, nesse caso, implica em uma "ruptura na continuidade da vida", instalando defesas arcaicas.


Para alguns, a sensação de tranquilidade é evitada a todo momento, podendo chegar a uma "evitação permanente da quietude ou mesmo dos intervalos em que inexiste tensão ou excitação" (Elsa Dias em Teoria do Amadurecimento). Se há uma necessidade intensa de proteção devido a uma sensação constante de perigo, o relaxamento pode ser vivido como um "baixar as guardas", ou seja, a abertura de uma vulnerabilidade psíquica. Por não saber do que exatamente está a se proteger, a ameaça pode se tornar uma visita constante.


Espera e desejo


Analisando as relações entre o conceito de ansiedade-sinal de Freud e as ideias de Charles Darwin, a pesquisadora Milena Viana faz um panorama do conceito em Freud, de início abordando as suas primeiras publicações, em relação ao princípio da constância (tendência do organismo em reduzir ou manter constante a excitação) e, de outro lado, a irrupção da ansiedade em situações de acumulação de energia/excitação: "A tensão física, não sendo psiquicamente ligada, é transformada em ansiedade". Resgata ainda os conceitos posteriores de ansiedade realística e neurótica, bem como a ideia de ansiedade como uma preparação para o perigo, a partir do acréscimo do conceito de ansiedade sinal, além da definição da ansiedade como um afeto que repete a vivência original do trauma do nascimento: "A ansiedade patológica, portanto, diferentemente do sinal de ansiedade, não surge de uma maneira conveniente. Não é, pois, adaptativa. Ela aparece de maneira inadequada, como se o antigo sinal de perigo ainda estivesse presente".


Logo, para Freud, a ansiedade é, ao mesmo tempo, uma expectativa (de um perigo) e uma repetição (de um trauma). Quando falamos em trauma aqui, não é necessariamente um evento grandioso, mas um acontecimento que o sujeito não conseguiu elaborar por completo, deixando marcas.


Quando um objeto é nomeado (em psicanálise um objeto pode ser uma pessoa, um lugar, um sentimento etc.), estaríamos falando de medo e não em ansiedade. Por isso, costuma-se falar em "medo de falar em público" ou "medo de lugares altos", apesar da construção apenas didática disso. A ansiedade, portanto, se espalha enquanto o medo focaliza. A sensação de iminência de perigo é diluída, está em vários lugares e ao mesmo tempo não está em nenhum. Não pode ser diretamente palpado, concretizado, delimitado. É mais similar ao oxigênio que respiramos, mas não conseguimos enxergar. O fato de não ser visível não o torna menos presente. Freud chamava essa ansiedade difusa, flutuante, sem objeto, de "ansiedade expectante".


A elaboração da ansiedade, portanto, em grande parte passa diretamente sobre a questão do que o sujeito considera perigoso. Também é interessante pensar na relação entre ansiedade e ânsia e anseio, apontando então para a proximidade entre ansiedade e nosso sistema desejante. A partir daí, podemos montar uma tríade interessante para pensar a ansiedade: sua relação entre desejo, perigo e futuro. Assim, para Dunker, por exemplo, a temática da ansiedade passa pelo "redimensionamento da relação do sujeito com o desejo". Desse modo, a dimensão da ansiedade remete a uma famosa expressão utilizada por Lacan: "Que queres?".


Na mídia e nas redes sociais, há um discurso frequente que se assemelha a uma "guerra contra a ansiedade". Penso, contudo, que há um grande risco dessa guerra acabar por se tornar uma guerra contra si mesmo, ou seja, contra o próprio mundo interno, tendo em vista que a ansiedade é também um aspecto natural e necessário para a vida humana. Sentir-se ansioso não é diretamente um problema. Enxergar a ansiedade como um inimigo a ser eliminado seria o mesmo que querer se livrar da imunidade humana devido a crises de alergia.

39 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page